quinta-feira, 7 de março de 2013

Sentindo vergonha.

Eu nunca disse o que vou dizer, de verdade, e é comum, as pessoas dizem o tempo todo. Eu nunca disse porque eu nunca senti. 

No geral, me orgulho de ser brasileira, por mais piegas que isso seja. A nossa democracia é nova, mais nova que eu inclusive, por isso, eu sempre fui muito paciente com ela. 

Quando você vivencia uma estrutura governamental por dentro, sabe que, às vezes, fazer as coisas é bem mais difícil do que soa. Então, eu sempre fui meio besta de tão otimista, já que, além disso, vivenciei os anos 1980 aqui, e o bicho naquela época era muito feio. 

Mas, hoje, o dia em que Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos, e, hoje, o dia em que os manifestantes, o povo, foram impedidos de entrar no Congresso, a casa do povo, eu estou muito envergonhada de ser brasileira. 

O fato das pessoas terem sido impedidas de entrar no Congresso para assistir a votação é só uma amostrinha do que a bancada evangélica vai fazer pela nossa menina democracia. Segurem-se, it's gonna be a wild ride!


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A História de um Coração Partido

Hoje, minha tia Gilza morreu. Isso me fez descobrir duas coisas, a primeira: eu sou uma imbecil, a segunda: eu vou morrer de saudade.

Existem algumas coisas sobre essas presenças femininas na vida da gente. A gente sempre acha que elas vão estar sempre ali porque elas sempre estiveram ali. Quando uma pessoa está sempre ali se importando com você e por perto, às vezes, você se dá o direito de ser grossa, indiferente, resumindo, uma imbecil. Eu sempre impliquei, briguei, fiz bagunça e enchi o saco da minha tia porque, para mim, ela sempre estaria ali. Uai. Aonde mais ela iria.

Aí, um belo dia, ela resolve ir dormir e não acordar mais. Meu, que sacanagem. Ninguém estava minimamente esperando. Eu não sei nem o que fazer com isso. Quer dizer, até sei, talvez eu devesse dizer que aprendi uma lição e que devemos tratar e amar sempre quem está com a gente porque ninguém sabe o dia de amanhã, mas, sinceramente, não é essa minha vibe. Eu só consigo me sentir idiota e, incrivelmente, contrariada. Egoísta que só.

A coisa dessas presenças que parecem permanentes na vida é que elas fazem parte da gente. Estou brava de só me dar conta agora e de olhar assim de frente para o buraco que vai ficar.

Para tentar um pouco de conforto, eu vou contar a história da minha tia, que é a história mais triste de um coração partido de todos os tempos.

A minha tia mais velha, Francisca, vai fazer já já 80 anos, ela se casou sem conhecer o marido porque meu avô negociou e resolveu tudo. Ele ia fazer o mesmo com a minha tia Gilza que era a segunda mais velha, mas ela se apaixonou por um dos capatazes da fazenda, em que, naquela época, meu avô era caseiro. Ao contrário do esperado, o vô não fez caso e deixou que os dois se casassem.

Depois do segundo filho, o capataz fugiu, sumiu, foi embora. Ela cuidou dos meus dois primos e os criou, mas ficou muito debilitada. Desde aquela época, ela teve que lutar contra depressão e outros problemas de saúde, como a diabetes. Ela sempre foi muito sensível e muito chorosa, e a gente acabava tendo pouca paciência com ela. A não ser a minha mãe. Eu fico achando que era por conta disso, mas aí me lembrei de outra história bem anterior a essa que indica que talvez ela sempre tenha sido um pouco mais sensível mesmo. Que azar ser sensível numa família como a nossa! Não por nada, a gente até que é legal, a gente só é mais impaciente mesmo, e toda vez que alguém se queixa, a resposta vai ser algo como: vá trabalhar que passa. Deve vir do meu avô, sei lá.

A história que me lembrei é de como a tia Gilza sarou da gagueira. Teve um dia que ela e a tia Francisca foram cortar lenha. E, pelo que se conta, a tia Gilza, que era gaga (por pouco tempo), foi tentar dizer alguma coisa para a tia Francisca. A Tia Francisca com toda sua sutileza e paciência deu com o cabo do machado na cabeça da tia Gilza. Bom, a tia Gilza nunca mais gaguejou, eu, se fosse ela, também não gaguejaria.

Na nossa família, rola uma disputa pelo melhor café e pelo melhor arroz. No fundo, no fundo, a gente sabe que quem faz tudo melhor na cozinha é a Tia Emília, mas a gente insiste em disputar. Quando uma vai à casa da outra, toca fazer café. E existem milhões de segredos sobre como se fazer arroz. É engraçado. O café da tia Gilza era bem doce, mas daqueles que eram sempre bem vindos sabe? Aquele conforto doce. Eu fiquei um tempo sem por açúcar no café, mas o dela eu sempre tomava, em qualquer ocasião. É engraçado, a última coisa que ela fez antes de morrer foi café. Acordou, fez café e resolveu deitar mais um pouco. Vai ver que ela fez para confortar a gente.

O arroz ela sempre fazia de baciada e sempre queimava no fundo. A gente entendia isso quando via meus dois primos comendo, a gente falava brincando "pique um dois três, Miro atrás do morro de arroz". Eles também adoravam o queimado do fundo. Eu me lembro do cheiro porque tinha uma quantidade muito específica de óleo e não ficava aquele cheiro de queimado esfumaçado. Enfim.

Na última vez que nos falamos, no casamento da minha prima, Amanda, ela estava querendo se casar também, tinha arranjado um velhinho. Pelo menos dessa vez, eu não fui tão implicante, ao contrário das outras, e disse que era massa e que ela devia namorar mesmo. Fiquei feliz de ela ter sarado o coração partido dela, depois de tanto tempo. Mas, agora não sei, acho que ela só fez remendar, e, hoje de manhã, arrebentou de vez.